Não é novidade que as atividades empresariais estão passando por um período de fortes regulamentações. Entretanto, é pouco conhecido que parte importante dos regramentos legais, e que podem afetar a liberdade de dirigentes empresariais, vem do direito penal.
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Quando a questão envolve o direito penal, logo se pensa em crimes horrendos, violentos e midiáticos, mas os problemas penais nem sempre partem de situações violentas do cotidiano da sociedade.
Muitos crimes são praticados sem qualquer ameaça ou violência como, por exemplo, as fraudes – que partem da ideia da enganação, ou seja, quando o autor do fato delituoso, através da utilização de mecanismos ou habilidades que iludem a vítima, consegue obter lucro induzindo-a em erro.
É fácil pensar em fraudes intelectuais simples, aquelas que envolvem apenas o autor do fato e a vítima. O problema começa, na verdade, quando há o envolvimento de um grupo organizado – tais como empresas e seus corpos diretivos – que, querendo, tendo conhecimento ou devendo impedir, acaba praticando uma conduta descrita como crime na lei penal.
Diante desse cenário, pessoas jurídicas com estruturas coletivas se tornaram objeto de atenção do direito penal, até porque os danos causados por uma estrutura organizada podem ser imensamente maiores do que aqueles produzidos por uma pessoa física contra uma vítima.
Se, de um lado, o direito penal moderno procura evitar que uma pessoa coletiva consiga atingir uma grande massa de vítimas, direta ou indiretamente, com ataques ao mercado financeiro, relação de consumo, saúde pública, meio ambiente, ordem tributária etc., de outro, a ameaça de sanção e o desconhecimento sobre a matéria podem desestimular novos negócios.
Acerca do tema, em 2019, o portal Valor Econômico publicou interessante levantamento onde se observou que executivos são condenados em 82% dos casos levados à esfera criminal. Sendo assim, a assustadora taxa de condenação pode desencorajar a abertura de negócios essenciais para o giro da economia.
De acordo com o advogado criminalista Matheus Bazzi, sócio do escritório Bazzi Advogados, estamos vivendo um movimento expansionista do direito penal. “A expansão do direito penal se apresenta através da indicação de bens jurídicos coletivos que, quando violados, podem prejudicar indiretamente um número indeterminado de cidadãos”.
“Além disso, é possível dizer que o direito penal clássico, aquele com crises criminais mais tradicionais, também sofre com um aumento de descrições abstratas incriminadoras e com o agravamento das penas”, aponta.
Ele ressalta ainda que parte do problema envolve a importação de teorias jurídicas de outros países. “Para contribuir com esse problema, os juristas brasileiros estão importando e desenvolvendo institutos que, não raramente, são incompatíveis com o nosso sistema jurídico, tudo com a intenção de ampliar a zona de alcance do direito penal, exemplo disso é a tentativa introdução no sistema brasileiro da regra da cegueira deliberada, cuja ideia é extrair conhecimento (knowledge) de situações em que o agente escolhe permanecer ignorante”.
O advogado conclui afirmando que “ocasionalmente, até mesmo uma equivocada interpretação da boa teoria pode subverter a sua real função de limitação da imputação para uma ampliação da imputação, a exemplo do que vimos quando se tentou utilizar a teoria do domínio do fato”. Perguntado se os dirigentes e sócios de empresas precisam se preocupar com o direito penal, respondeu que “as medidas e sanções criminais devem ser fonte de preocupação, mas é essencial que os empresários, empreendedores e executivos contingenciem as crises penais empresariais que se apresentem na caminhada da empresa com a melhor técnica jurídica possível. No entanto, a melhor forma de se resguardar é na adoção de mecanismos de prevenção dessas crises”, ressalta.