Um advogado brasileiro viralizou nas redes sociais após contar detalhes de como estão sendo os dias dele com varíola do macaco. João Pinheiro, de 31 anos, foi internado na segunda-feira (17), em São Paulo, para controle da dor. Desde então, tem se dedicado a levar informações a pessoas que muitas vezes desconhecem a doença.
Foi no fim de uma viagem à Europa que ele começou a sentir os primeiros sintomas do que descobriria alguns dias depois ser a infecção pelo vírus monkeypox, que causa um surto global com mais de 40 mil casos. O cansaço e o que achava ser uma afta no lábio foram as primeiras manifestações da infecção.
Ele estava em Malta, no dia 5 de agosto, e ainda passaria um fim de semana em Paris. O cansaço persistiu, mas não interrompeu a programação na capital francesa, conta em entrevista ao R7.
“Cheguei a Paris muito cansado no dia seguinte, também achei que o cansaço fosse por causa do calor e da viagem, que já estava no final. A afta começou a doer muito, [a ponto] de atrapalhar meu bem-estar para comer. Não era uma dor que precisasse de analgesia, mas incomodava.”
João, que é bissexual, chegou a comentar com os pais que poderia ser monkeypox, mas tentou se convencer do contrário.
“Àquela altura, eu achava que era algo talvez sexualmente transmissível. Eu me envolvi só com uma pessoa na viagem, essa pessoa não tem nada. Pensei que não deveria ser nada.”
No surto atual, a transmissão tem sido relatada, principalmente, por contato sexual, mas pode ocorrer por qualquer contato de pele com um indivíduo que tenha lesões ativas ou até por roupas e lençóis, por exemplo.
A suspeita dele começou a ficar mais forte quando retornava ao Brasil. Sentiu-se febril e com outro sintoma comum de varíola do macaco: inchaço de linfonodos, que podem ser no pescoço, atrás da orelha, embaixo dos braços ou na virilha.
“No dia em que eu estava pegando o voo para cá, senti que os gânglios no meu pescoço estavam muito doloridos, a ponto de eu não conseguir virar o pescoço direito. A afta parou de doer, só que estava com um aspecto meio emborrachado.”
Ele procurou um hospital em São Paulo e fez o exame na rede privada – planos de saúde ainda não cobrem o teste. O resultado positivo saiu no dia seguinte.
“No dia em que saiu o resultado, tinha saído um ferida no dedo, tinha essa da boca, uma no pulso e outra na perna. Pensei que seria uma coisa mais branda. No dia seguinte, essa ferida da boca começou a ficar muito grande, perdeu o aspecto de afta e ficou com aspecto de feridona mesmo e doendo muito. Uma dor que só ia aumentando.”
O advogado retornou ao pronto-socorro e recebeu tramadol, um opioide usado para analgesia. “Até sugeriram tomar morfina, mas falaram que quando eu voltasse para casa, teria que aguentar firme a dor”, lembra ele.
A dor na ferida do lábio atingiu um pico no último fim de semana, quando João se recorda que ficou “umas 48 horas em posição fetal com muita dor”.
“Eu não estava conseguindo me alimentar, me alimentava chorando e com muito sono. Comia muito pouco e já tomava um remédio e voltava a dormir.”
No Twitter, João descreveu a dor como “vários cacos de vidro no meu lábio e um alicate apertando eles”.
Na segunda-feira (15), percebeu que não aguentaria mais ficar em casa e procurou o pronto-socorro do Hospital Israelita Albert Einstein. A orientação foi para que fosse internado para controle da dor. Os médicos o estão tratando com morfina e corticoides (anti-inflamatórios).
Um antiviral chamado Tpoxx (tecovirimat) tem sido usado nos Estados Unidos. O Brasil comprou, por meio da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), conseguiu alguns tratamentos, mas os medicamentos ainda não chegaram. Eles devem ser destinados a pacientes com alto risco de desenvolver quadros graves, como indivíduos imunocomprometidos.
Apesar de ter toda a assistência médica possível, o advogado não encontrava na internet informações para esclarecer as dúvidas que surgiam a respeito da doença.
“Quando fiz um vídeo no TikTok falando que estava com monkeypox, até um vídeo meio cômico, umas quatro ou cinco pessoas conhecidas falaram que também estavam. Eu não fazia ideia que essas pessoas estavam. Isso começou a me incomodar. Por que está escondido?”
Foi então que ele resolveu publicar um novo relato no Twitter, mas sem grandes pretensões.
“Pensei que iria engajar poucas pessoas no post, pessoas que estavam mesmo doentes. Do nada, veio essa repercussão, eu fiquei pasmo. Ali eu vi que as pessoas estavam pegando meu relato como fonte primária de informação, tinha gente que não fazia noção do que era essa doença. Eu fiz questão de falar e dar a cara. As pessoas ficam doentes.”
João se deu conta de que a imensa maioria das pessoas que o procuravam nas redes sociais – e enviaram fotos de lesões – sequer haviam sido testadas.
“Era claramente monkeypox, por causa das feridas, mas as pessoas, por vergonha, por medo, por falta de informação [não procuraram fazer o exame]… tem gente que não sabia nem que tinha teste.”
O desconhecimento é apontado por ele como um problema, pois há quem possa minimizar a varíola do macaco com base em informações equivocadas.
“Essa doença não tem uma letalidade alta, mas é preciso mostrar que isso é um negócio feio, que dói, mexe com a sua autoestima, dependendo de como você for. Não é uma doença gostosa de se ter, mesmo que seja um quadro leve. Você vai ficar cheio de bolha, cheio de coisa na sua pele. Isso pode mexer muito com a autoestima de uma pessoa. Na minha, pouco afetou. As [lesões] do rosto já sumiram, não deixaram marca nenhuma.”
O preconceito é uma das preocupações de muitos pacientes. A monkeypox tem um retrato epidemiológico neste momento de predominância entre HSH (homens que fazem sexo com homens), mas o que não significa – em hipótese alguma – que seja uma doença restrita a este ou a qualquer grupo.
Em São Paulo, já foram relatados pelo menos uma dezena de casos em crianças e adolescentes, além de duas grávidas. A ideia de que esta seja exclusivamente uma doença adquirida por contato sexual é errada.
“A doença está mais perto do que você imagina, não está na Europa, não está no gueto, nem em um inferninho. A doença está em um advogado, em um médico, em um ambiente corporativo da Faria Lima [região empresarial de São Paulo]… Essa doença você pega por sexo, por contato [de pele], por roupa de cama mal-lavada – se você for em um Airbnb, um hotel, e não trocarem a roupa de cama, você pega”, alerta João.
Enquanto levava informações a pessoas que mal conheciam a doença, João também teve que lidar com ataques. Ele lembra de mensagens “horrorosas”, insinuando, por exemplo, que a doença estava associada a um comportamento promíscuo.
É importante salientar que praticamente população mundial abaixo de 40 anos não foi vacinada contra a varíola humana – declarada erradicada no mundo em 1980 – e, portanto, está suscetível à infecção pelo vírus monkeypox, que é da mesma família (orthopoxvirus).
Indivíduos que foram imunizados no passado também não têm garantia de que não pegarão a doença, embora haja indícios de que possam desenvolver quadros mais leves.
João continuava no hospital nesta quinta-feira (18), dia em que ainda teve que tomar morfina. A expectativa dele é de que nesta sexta-feira já possa retornar para casa.
Fonte: R7.COM