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“Não há base legal para essa ocupação”, diz Dino sobre acampamentos nos QGs

"Não há base legal para essa ocupação", diz Dino sobre acampamentos nos QGs

Dino manda investigar ex-governo Bolsonaro por genocídio e omissão de socorro
(Foto: Evaristo Sa / AFP)

Para o ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, não faz sentido que um servidor ligado à pasta e que responda a inquérito, ação penal ou de improbidade, ou ainda um processo administrativo disciplinar, seja cedido a outro órgão público. Por isso é que ele editou um decreto, ontem, definindo uma nova regra — e que pode atingir o antecessor no ministério, Anderson Torres, chamado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) para reocupar a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Segundo Dino, o decreto também serve para reorganizar e mapear as cessões, pois o ministério quer saber onde essas pessoas estão e o que fazem nesses postos. Na entrevista concedida ao CB.Poder — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília —, o ministro também mandou um aviso aos manifestantes que estão na frente dos quarteis do Exército pedindo golpe militar: serão enquadrados conforme a lei, caso as negociações que vêm sendo realizadas pelo ministro José Múcio (Defesa) não surtam efeito. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Na posse do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o senhor disse que vai resolver a ocupação dos quartéis com amor. Dá para tirar essas pessoas com amor?

Estamos fazendo um processo de diálogo, sob a condução do ministro José Múcio (Defesa), para mostrar que não há nenhuma razão para este tipo de manifestação, e que não há base legal para essa ocupação inusitada e inédita. É claro que, decorrendo estes primeiros dias de governo, a nossa expectativa é de que essa persuasão funcione. Que as pessoas se convençam que têm todo direito de não gostar do governo, mas elas não têm direito de descumprir a lei em nome de não gostar do governo. Caso não haja o cumprimento da lei, o presidente da República será demandado pelo ministro.

Se as pessoas não saírem, serão processadas ou retiradas à força?

Pode haver e deve haver as duas coisas. De um lado, a coercitividade para retirar pessoas que estão ilegalmente ocupando espaço público, e, por outro, a investigação policial e eventual processo criminal. A pessoa ali está descumprindo a lei, pode receber sanções e, eventualmente, ser presa.

A gente só pode esperar alguma ação na semana que vem?

O ministro Múcio está esgotando o diálogo e concordo com ele nesse caminho. Ele vai consultar o presidente da República e, juntos, decidirão. O Ministério da Justiça estará à disposição para cumprir a orientação do presidente Lula.

Apesar dos acampamentos, o senhor acha que estamos em um período de paz?

Se você retroagir um mês, hoje nós estamos em condições bem melhores. Houve uma escalada de violência política, de ódio, que chegou até a algo inimaginável — de alguém tramar explodir uma bomba no aeroporto da capital do país. Ia matar centenas de pessoas, quiçá milhares, dependendo das repercussões que houvesse. Havia uma progressão de ódio e de engendramentos de crimes que levou a esta situação inimaginável. Ocorreu em 24 de dezembro e, antes, em 12 de dezembro, houve uma tentativa inédita na vida brasileira de invasão da sede nacional da Polícia Federal — para, de lá, arrancar uma pessoa presa por ordem judicial. Isso é terrorismo. Enfrentamos isso em dezembro. Quando olhamos para esse início de janeiro, sim, melhorou muito.

Dá para relaxar?

Jamais. Creio que é uma hora muito grave para a democracia no mundo, não só no Brasil. Há situações desafiadoras nos Estados Unidos e em outros países que têm hoje dificuldades institucionais — países vizinhos ao nosso, inclusive. Na Europa Ocidental, também. Os democratas sinceros, os verdadeiros patriotas, não podem ter uma atitude de normalização. Portanto, é difícil relaxar, mas é preciso ter serenidade, ponderação.

Como é que o senhor pretende federalizar o caso Marielle Franco?

Que é difícil, é. A pergunta a ser feita é se é necessário. Temos um crime gravíssimo, de índole política, que não foi adequadamente elucidado. Não só este, há outros tantos. Há o caso do (jornalista) Dom Phillips e do (indigenista) Bruno Pereira… Estamos diante dessa circunstância de que um importante estado federado enfrentou uma situação absolutamente hedionda de uma vereadora, no exercício do seu mandato, ser assassinada no meio da rua e é preciso uma resposta cabal. É um esforço necessário. A família (de Marielle) merece e a sociedade do Rio de Janeiro, o Brasil e o mundo merecem, porque é um crime de repercussão, inclusive, fora do país. Temos três caminhos possíveis: o primeiro, que estamos buscando neste momento, é o da cooperação com as autoridades do Rio. É isso que estamos fazendo: diálogo para a cooperação policial entre as polícias estaduais e as federais, no caso a Polícia Federal e a Polícia Judiciária da União. Se não houver isso, tem outros dois caminhos técnicos: um é o chamado incidente de deslocamento de competência, que depende de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou a federalização policial determinada pelo ministro da Justiça. Temos plano A, B, C e D. Só não há um plano, que é o plano O, de omissão. Esse não existe.

O senhor também avisou aos ministros do Supremo (Tribunal Federal) que eles podem contar com o Ministério da Justiça para elucidação de ameaças que receberam nos últimos anos. Como isso vai ser feito?

Nós temos crimes de ação pública em que a polícia não só pode, como deve agir, independentemente de provocação da vítima, do ofendido. Esses casos estão em apuração. Ontem mesmo houve mais um, um ataque ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e se criou um documento falso contra o ministro Alexandre de Moraes. Isso é um crime de ação pública. A questão foi de consignar que o Supremo não está jogado aos leões, como aconteceu em muitos momentos nesse período recente, em que altas autoridades se encarregavam de gerar ameaças ao Supremo — que, por si mesmas, representam uma ameaça institucional. Porque se você coage um juiz da Suprema Corte, coage a sociedade. Não podemos ter um Judiciário apavorado, como visto nesses últimos anos.

Os bolsonaristas reclamam de que não são respeitados na liberdade de expressão. Qual é essa linha para a liberdade de expressão?

Chega um ministro do Supremo em um restaurante. Ele pode ser aplaudido ou pode ser vaiado. Isso é liberdade de expressão, compatível com a democracia e com o direito de manifestação. Esse ministro pode ser ameaçado, achincalhado? Não. Porque quem diz se uma pessoa é ladrão, safado ou corrupto não sou eu, não é você. Quem diz é a Justiça. Então, isso constitui crime contra a honra, calúnia, difamação, injúria, dependendo da circunstância. Não faz parte do estatuto do agente público ser vítima passivamente de crimes. É esta fronteira que tem que ser novamente demarcada. A ideia de liberdade de expressão como vale-tudo, na verdade, é uma ideia que nega a liberdade de expressão. Porque significa esvaziar o direito da sua dignidade e, portanto, seu uso legítimo.

Fonte: CORREIO BTAZILIENSE

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