O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), falou pela primeira vez depois de divulgado o resultado das eleições em uma coletiva de imprensa realizada em um hotel na Avenida Paulista, em São Paulo. Após receber mais de 60 milhões de votos e encerrar o segundo turno com 50,90% dos votos válidos, Lula fez um discurso baseado na democracia e pregou a paz e união entre o povo brasileiro.
“É hora de baixar as armas que jamais deveriam ter sido empunhadas. As armas matam e nós escolhemos a vida”, afirmou Lula. O petista ressaltou que um país dividido não é vantajoso para a prosperidade do Brasil e que “é hora de refazer os laços”. “A partir de 1º de janeiro de 2023, vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras e não só para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis, somos um único país, único povo, uma grande nação”, garantiu.
“Não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços destruídos pela propagação do ódio. Não interessa a ninguém viver em um país dividido e em constante estado de guerra. Esse país precisa de união”, declarou o presidente eleito.
Lula reconheceu que tem um grande desafio para enfrentar nos próximos quatro anos, mas que irá “trazer de volta a alegria de sermos brasileiros”. “O desafio é imenso. É preciso reconstruir esse país em todas as suas dimensões: na política, na economia, na gestão pública, na harmonia institucional, nas relações internacionais e, sobretudo, com os mais necessitados”, afirmou.
Lula ressaltou que “é preciso reconstruir a alma desse país”
O recém eleito presidente usou, em todo o discurso, falas apaziguadoras e garantiu à população que irá trabalhar para recuperar a esperança e a generosidade dos brasileiros. “É preciso reconstruir a alma desse país, recuperar a generosidade, a solidariedade, o respeito às diferenças e o amor ao próximo”, frisou.
“O povo brasileiro quer ter de volta a esperança”, reconheceu Lula. “Este país precisa de paz e de união. Esse povo não quer mais brigar. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído”, afirmou o presidente eleito.
Lula ressaltou que a vitória conquistada neste domingo (30) não é de um candidato ou do Partido dos Trabalhadores (PT), é da nação. “Hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta. Que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo. Vamos reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país”, assegurou.
“O novo Brasil que iremos construir a partir de 1º de janeiro não interessa apenas ao povo brasileiro, mas a todas as pessoas que trabalham pela paz, a solidariedade e a fraternidade, em qualquer parte do mundo”, garantiu. Lula aproveitou também para resgatar a essência da bandeira brasileira, lembrando que ela é um símbolo da pátria e não de um político. “É preciso trazer de volta a alegria de sermos brasileiros e o orgulho que sempre tivemos do verde e amarelo e da bandeira do nosso país, esse verde e amarelo e essa bandeira não pertencem a ninguém, a não ser ao povo brasileiro”, pontuou.
Compromisso com o combate à pobreza e à fome
De acordo com as palavras de Lula, que assumirá a Presidência a partir de janeiro de 2023 para seu terceiro mandato, o foco de seu governo será com a população mais pobre e com o combate à fome. “Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário”, revelou.
“Se somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, se temos tecnologia e uma imensidão de terras agricultáveis, se somos capazes de exportar para o mundo inteiro, temos o dever de garantir que todo brasileiro possa tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias”, afirmou. “Este será, novamente, o compromisso número 1 do nosso governo”, salientou.
Lula declarou que irá retomar o projeto social Minha Casa, Minha Vida — programa de habitação que facilita a aquisição da casa ou apartamento próprio para famílias de baixa renda. “Não podemos aceitar como normal que famílias inteiras sejam obrigadas a dormir nas ruas, expostas ao frio, à chuva e à violência. Por isso, vamos retomar o Minha Casa Minha Vida, com prioridade para as famílias de baixa renda, e trazer de volta os programas de inclusão que tiraram 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza”, prometeu.
“O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse muro de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais que não se reconhecem. Este país precisa se reconhecer. Precisa se reencontrar consigo mesmo”, manifestou o futuro presidente.
Aproximação com o STF e diálogo com os poderes
O presidente eleito revelou que tem como missão “restabelecer o diálogo neste país”. De acordo com o que afirmou no discurso, Lula irá recuperar a boa convivência com os três poderes e procurar dialogar com governadores, prefeitos, empresários e trabalhadores.
“É preciso retomar o diálogo com o Legislativo e Judiciário. Sem tentativas de exorbitar, intervir, controlar, cooptar, mas buscando reconstruir a convivência harmoniosa e republicana entre os três poderes”, ponderou. Lula também citou as Forças Armadas e usou a Constituição para embasar seus argumentos. “A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É ela que estabelece os direitos e obrigações de cada poder, de cada instituição, das Forças Armadas e de cada um de nós”, esclareceu.
“A Constituição rege a nossa existência coletiva, e ninguém, absolutamente ninguém, está acima dela, ninguém tem o direito de ignorá-la ou de afrontá-la”, assegurou. “Também é mais do que urgente retomar o diálogo entre o povo e o governo”, contou Lula, que prometeu “trazer de volta as conferências nacionais”.
Lula se comprometeu com a transparência e sustentou que “as grandes decisões políticas não serão tomadas em sigilo, na calada da noite, mas após um amplo diálogo com a sociedade”. “Acredito que os principais problemas do Brasil, do mundo, do ser humano, possam ser resolvidos com diálogo, e não com força bruta”, concluiu.
Incentivo ao MEI e aos produtores rurais
O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), escolhido pelos brasileiros nas urnas, incluiu os micro, pequenos e médios empresários e produtores rurais em seu primeiro discurso como presidente eleito. Lula afirmou que seu governo será construído com crescimento econômico e baseado na democracia.
“E com democracia que nós vamos buscar construir a cada dia do nosso governo. Com crescimento econômico repartido entre toda a população, porque é assim que a economia deve funcionar, como instrumento para melhorar a vida de todos, e não para perpetuar desigualdades”, garantiu.
Lula prometeu ainda que irá promover a geração de empregos e que o salário mínimo será reajustado acima da inflação. “A roda da economia vai voltar a girar, com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra”, declarou.
“O povo brasileiro quer viver bem, comer bem, morar bem. Quer um bom emprego, um salário reajustado sempre acima da inflação, quer ter saúde e educação públicas de qualidade”, enfatizou.
Segundo Lula, a população de baixa renda será colocada em primeiro lugar em todas as tomadas de decisão de seu governo. “A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do orçamento. Com apoio aos pequenos e médios produtores rurais, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas. Com todos os incentivos possíveis aos micros e pequenos empreendedores, para que eles possam colocar seu extraordinário potencial criativo a serviço do desenvolvimento do país”, reforçou.
O presidente eleito também contemplou as mulheres em seu pronunciamento e realçou a necessidade de combater as violências de gêneros. “É preciso ir além. Fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres, e garantir que elas ganhem o mesmo salários que os homens no exercício de igual função”
Recado para Bolsonaro e oposição ao governo
Em diversos tópicos do discurso Lula, sem citar nomes, mandou um recado para o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao longo da fala, o petista destacou pautas defendidas pelo seu adversário nestas eleições e se colocou como oposição à forma de governar do chefe do Executivo.
“Chegamos ao final de uma das mais importantes eleições da nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos de país, e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro”, enfatizou o presidente eleito neste domingo (30).
Ao falar da vitória, Lula disse se considerar um sobrevivente e acusou o adversário de usar a “máquina pública” para tentar vencer as eleições. “Eu me considero um cidadão que teve um processo de ressurreição na política brasileira, porque tentaram me enterrar vivo e agora eu estou aqui para governar esse país”, falou. “Nós não enfrentamos um adversário, não enfrentamos um candidato, nós enfrentamos a máquina do estado brasileiro colocada a serviço do candidato da situação para tentar impedir que nós ganhássemos a eleição”, revelou.
O uso da bandeira do Brasil pela campanha de Bolsonaro, que se tornou símbolo político, e a defesa da liberação do porte de armas foram criticados por Lula mais de uma vez ao longo do discurso. “O povo brasileiro mostrou hoje que quer liberdade religiosa. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma”, apontou.
Lula reforçou que seu governo estará comprometido com o combate às desigualdades e que vai “enfrentar sem tréguas o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e oportunidades”. “Só assim seremos capazes de construir um país de todos. Um Brasil igualitário, cuja prioridade seja as pessoas que mais precisam”, destacou.
Ao lado de Marina Silva, eleita Deputada Federal por São Paulo, ex-ministra do Meio Ambiente no antigo governo Lula e defensora do meio ambiente, Lula falou sobre a Amazônia e anunciou que o Brasil irá proteger suas florestas, se contrapondo à postura de Bolsonaro, acusado, por vezes, de ser conivente com o desmatamento. “O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica”, mencionou.
Chegando ao fim do pronunciamento, Lula citou uma fala do Papa Francisco e reconheceu que sua vitória nestas eleições é o amor prevalecendo. “Na última quarta-feira, o Papa Francisco enviou uma importante mensagem ao Brasil, orando para que o povo brasileiro fique livre do ódio, da intolerância e da violência. Quero dizer que desejamos o mesmo, e vamos trabalhar sem descanso por um Brasil onde o amor prevaleça sobre o ódio, a verdade vença a mentira, e a esperança seja maior que o medo”, anunciou.
Início e fim com agradecimentos à Deus
Durante a corrida eleitoral, Lula foi falsamente acusado por apoiadores de seu adversário, de querer fechar as igrejas no Brasil e de ser satanista. Para se defender, o petista ressaltou que é praticante da fé católica. Bolsonaro, no entanto, surgiu como o candidato do eleitorado evangélico e a religião foi amplamente pautada em toda a campanha.
No discurso após o resultado da apuração das urnas, Lula fez questão de se mostrar cristão. Ele iniciou agradecendo a Deus por ser generoso e “permitir que eu saísse de onde eu saí e chegasse onde eu cheguei”.
Antes de encerrar o pronunciamento, o presidente eleito citou o Papa Francisco e afirmou que lembra, diariamente, dos ensinamentos de Jesus. “Todos os dias da minha vida eu me lembro do maior ensinamento de Jesus Cristo, que é o amor ao próximo”, disse.
Com base nesse ensinamento, Lula finalizou o discurso, de tom apaziguador, falando sobre o amor ao país. “A mais importante virtude de um bom governante será sempre o amor ao seu país e ao seu povo. No que depender de nós não faltará amor nesse país”, afirmou. O petista também transmitiu uma mensagem de esperança e garantiu que o Brasil viverá dias melhores. “Viveremos um novo tempo, de paz, amor e esperança”, assegurou.
(Por Aline Brito)
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE