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‘Filho de peixe…’ Pais inspiram filhos a seguirem a mesma profissão no circo e na música

Os palhaços Celso Stevanovich e Celso Filho se apresentam juntos no picadeiro e se orgulham da arte circense; músico Alaan Monteiro produz novo álbum do pai, o compositor portelense Wanderley Monteiro

'Filho de peixe...' Pais inspiram filhos a seguirem a mesma profissão no circo e na música

Rio – Respeitável público! O Dia dos Pais chegou e nesta data especial vamos contar a história de dois filhos que se inspiraram nas profissões dos “coroas” e os enxergam como ídolos e referências desde a infância: um no circo e outro na música.

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O argentino Celso Alberto Filho, 35 anos, virou o palhaço Moroco por causa do seu pai, Celso Stevanovich, 60, que desde os 17 alegra crianças e adultos em suas apresentações pelo Brasil e o mundo caracterizado de palhaço Matraca.

“Como meu pai era palhaço, ele me ensinou a ser também. Na idade da minha filha eu já entrava junto com ele nas apresentações, mas sempre tive o sonho de ser trapezista e jogador de futebol”, conta.

Ele chegou a aprender acrobacia e treinou trapézio, mas um problema o impediu que levasse o sonho adiante. “Eu tinha muito medo de altura, foi o que me desencorajou a não ser trapezista, mas cheguei a ‘voar um pouco’ com 8 anos. Quando tive 10, 11 anos, comecei a entrar sozinho no palco e me apaixonar pela profissão de ser palhaço” recorda Celso Filho, que agora também é inspiração para a filha Ysis Caetano Stevanovich, de 5 anos, que já foi batizada de palhaça Paçoquinha e faz algumas apresentações com pai e avô quando se sente à vontade para se divertir diante da plateia.

Atualmente, pai, filho e neta vivem viajando pelo país com o Cirque Amor, que está numa temporada na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, até 27 de agosto. Eles fazem três números juntos no circo e entram também em cena quando algo sai fora do previsto durante o espetáculo ao vivo com os outros artistas.

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“O sonho de todo pai é a continuidade do filho fazer o que você começou e ajudá-lo. Fui um pai protetor e fora isso muito exigente para que não acontecesse o que aconteceu comigo quando comecei. Tive que aprender com a vida, meus tios me ensinaram no começo, depois tive que me virar sozinho.”, explica Stevanovich, que perdeu o pai, um brasileiro que trabalhava no circo, quando tinha apenas 13 anos.

“A apresentação da Paçoquinha é a mesma que eu fazia com o meu filho, isso me emociona demais. Quando vejo vídeos e fotos e penso que agora somos três palhaços é demais, é lindo ver”, conta ele, emocionado, e admitindo que é “chorão”.

Celso Filho veio para o Brasil quando tinha 9 anos para morar um circo instalado em Juiz de Fora (MG). Depois disso, foram anos rodando o Brasil todo, “de Belém do Pará até Porto Alegre” e ele garante que nunca estranhou essa vida de mudança constante.

“Eu nunca estranhei porque foi a vida que sempre tive. Não conheço outra realidade a não ser essa, então para mim foi muito normal. Pra mim é ótimo, tive a oportunidade de conhecer várias culturas”, explica.

Ele é casado com uma acrobata, Paloma Caetano, há oito anos e tiveram juntos Ysis, que nasceu em São Luís do Maranhão. “Ela entra do mesmo jeito que eu entrava quando tinha a idade dela, quando ela quer e tem vontade”, explica. A menina também faz aulas de acrobacia e ginástica olímpica para decidir no futuro se pretende seguir a mesma profissão que os pais.

“Meu pai sempre quis que eu fosse palhaço, ele ficou um pouco frustrado quando falei que não queria ser, mas depois que peguei gosto, ele me ajudou muito, foi meu guia. Tentou me ensinar que não é porque eu queria seria trapezista que eu não podia ser palhaço. O palhaço é uma das únicas profissões do circo que você pode fazer de tudo um pouco, ser um bom malabarista, fazer parada de mão, equilibristra e colocar isso na palhaçada. Ele sempre me incentivou muito”, diz.

Profissionalismo mesmo nos dias difíceis

Moroco admite que nem sempre a relação de pai e filho está 100%. Como qualquer família, eles têm dias não tão bons e também se desentendem, mas não deixam que isso se torne nítido em suas apresentações circenses.

“É uma família, às vezes a gente não está bem, mas a gente tem um respeito grande pela nossa profissão. Acaba que quando a gente atravessa as cortinas, é como se fosse um mundo diferente. A gente pode estar brigado, não falando um com o outro, mas entrando no palco, tudo muda. Várias vezes aconteceu de ele ter problemas pessoais ou familiares e lá no palco não se notou isso. Uma das coisas que levo dos ensinamentos dele é o profissionalismo”.

O palhaço pai recorda de um dia triste que decidiu se apresentar e alegrar o público mesmo assim. “O dia mais difícil que tenho na lembrança foi quando eu tinha 19 anos e perdi uma irmãzinha de apenas 7 anos em um acidente de carro. O dono do circo me falou para eu não trabalhar, eu disse, ‘não consigo, tenho que trabalhar'”, recorda.

Humor pastelão e atual

Os palhaços mesclam o humor pastelão para divertir as crianças com outro mais avançado, para agradar os pais. “Circo é um show para a família. E se você agrada o filho, você agrada o pai”, explica Moroco. E o humor, segundo ele, também foi mudando ao longo dos anos e se atualizando.

“O humor mudou pela tecnologia. A gente faz uma apresentação, por exemplo, imitando um iPhone que tira foto, a gente vai acompanhando o que vai acontecendo no mundo também porque senão fica uma coisa muito antiga e repetitiva. Hoje com a internet você tem um leque de opções de olhar outro circo, inspirações. E até mesmo outros comediantes, tudo o que você pode agregar no circo e modernizar”, explica.

Matraca complementa dizendo que no início ensinou o filho a ser palhaço e hoje aprende com ele sobre as novidades na profissão. “Quando me cai a ficha, eu não me sinto com 60 anos, pinto o cabelo porque tenho que manter a imagem do palhaço, porque as crianças não sabem, para elas é o palhaço e ponto. Eu não quero dar aquela imagem do palhaço antigo, ensinei ele a trabalhar e hoje em dia eu aprendo muito com ele”, conta

Data especial

O show não pode parar e domingo é dia de circo para toda a família e também um ótimo lugar para comemorar o Dia dos Pais. Além de se apresentarem juntos, pai e filho pretendem celebrar a data com um almoço em família.

“O circo tem um tema, a gente segue um roteiro, mas nornalmente no final do show, a gente agradece os pais, deseja feliz dia dos pais, mas uma apresentação específica não tem porque justamente tem um roteiro do show”, conta o filho. Ele aproveita a data para homenagear seu ídolo.

“Queria agradecer ao meu pai pelo carinho comigo durante todo esse tempo, me ajudou muito. Depois que tive minha filha, vejo o quanto ele foi importante, quero agradecer e dizer que amo muito ele”.

Matraca conclui convidando os leitores para assistirem ao espetáculo. “O Cirque Amar é nosso ponto de referência porque é a nossa família. Nós trabalhamos, vamos para fora e voltamos. Os espetáculos sempre têm artistas de fora do país. Aqui foi o primeiro circo a colocar 10 motos dentro do globo da morte. Sempre têm números inéditos”, completa.

Serviço
Cirque Amar – Temporada até 27/8
Local: Estacionamento do shopping Via Parque (Avenida Ayrton Senna, 3000, Barra da Tijuca)
Dias: De segunda a sexta-feira (exceto quarta) às 20h30 / Sábado: às 18h e 20h30/ Domingo: 16h, 18h e 20h30
Valores: De R$ 30 (setor promocional) até R$ 125 (camarote Poltronas Cine)
Classificação livre
Informações: (21) 97498-4908

Música de pai para filho

Já o músico e compositor Wanderley Monteiro, 62 anos, foi a principal inspiração para o filho Alaan Monteiro, 31 anos, que cresceu ouvindo o som do cavaquinho de seu pai dentro de casa. Wanderley foi influenciado pelo irmão mais velho, que o ensinou a tocar violão e também pelo pai gostava de tocar acordeon em saraus do Morro da Babilônia, no Leme, Zona Sul.

“Antigamente tinha sarau, a gente ia pra casa de um vizinho e ficava tocando, aí faziam comida, bebida, tinha jogo de carta, era uma domingueira boa. Aquilo me levou a querer aprender um instrumento, eu comecei a aprender violão e depois logo passei pro cavaquinho que ganhei de presente desse meu irmão mais velho”.

O músico foi autodidata, não chegou a fazer curso e aprendeu a tocar sozinho. O início aconteceu com apresentações em barzinhos, sem cachê. “A gente saía, escolhia um bar para tocar, geralmente o cara deixava, a gente ficava tocando, eu, meu irmão, um pessoal do morro. Aí depois a coisa foi se aprofundando e acabei virando profissional”, explica ele, que em seguida criou o grupo Babisamba, com amigos da comunidade da Babilônia.

Logo depois, conciliando com a profissão de bancário, ele começou a compor algumas músicas com Álvaro Maciel, que escreveu “Vida de Compositor”, que conta a história de um samba-enredo que eles perderam na São Clemente.

“Numa sexta-feira à noite ele veio com a letra, ‘caiu meu samba-enredo, caiu por terra, nada de mágoas, nem ressentimentos’. Ele falou que escreveu isso para mim e falei para ele que seria música. Aí botei melodia e a Beth Carvalho ouviu e gravou. A partir daí, o negócio começou a ficar mais sério. Eu já havia gravado um samba em parceria com o Zé Luiz Império chamado ‘Amo e não nego’, gravado por um pessoal de Minas, o grupo Capricho. Eu gravei o samba em Minas, mas não aconteceu, depois a Beth Carvalho gravou ‘Vida de Compositor’ e o caldo começa a engrossar. Nas rodas de samba, esse samba é muito pedido, aí entendi que tinha que fazer outras coisas, não pode um compositor ser de uma música só”, detalha.

Wanderley passou a compor com mais frequência observando os sambas de compositores que admirava, entre eles, Wilson Moreira, Paulo César Pinheiro, João Nogueira, Luiz Carlos da Vila, Ivone Lara e Délcio Carvalho.

“Você não começa fazendo clássicos, você começa fazendo sambas até amadores e depois vai melhorando, vai ouvindo, lendo, frequentando roda de samba, olhando para os compositores que te inspiram e vai tentando absorver alguma coisa, não copiar. Foi assim comigo. As coisas foram avançando, gravei mais com a Beth, depois veio ‘Água de Chuva No Mar’ que estourou e assim foi minha trajetória musical”.

Em 2001, Wanderley lançou seu primeiro CD, “Vida de Compositor” e regravou a música que deu nome ao projeto e “Água de Chuva No Mar” com a participação de Beth Carvalho. Depois disso, ele viajou pelo Brasil fazendo shows e em 2005 entrou para a ala de compositores da Portela, com Luis Carlos Máximo, com o sonho de ter um samba na Avenida.

“Em 2009, a gente ganha o primeiro samba, em 2010 a gente perdeu. A gente ganhou também em 2011, 2012 e 2013”. No ano seguinte, ele saiu da parceria e voltou a ganhar em 2016, 2022 e 2023″, recorda o portelense, que tornou-se o maior vencedor de sambas na agremiação de Oswaldo Cruz e Madureira, dividindo o posto com Noca da Portela e David Corrêa, todos com sete campeonatos.

Inspiração

Alaan cresceu acompanhando a trajetória e crescimento do pai na música, o que contribuiu para que a vontade de investir na carreira só aumentasse com o passar dos anos.

“Eu cresci com música dentro de casa, sendo praticada, sendo feita, cantada. No geral, era sempre uma família muito musical porque ouvia muito e faziam brincadeiras. E dentro dessas brincadeiras, quando eu era criança, por volta de 7 anos já brincava com um instrumento ou outro. Aos 10 anos eu já comecei a brincar com o cavaquinho que é um instrumento que o meu pai toca. Ficava sentado no colo dele e tocava a ‘mão direita’, que é a palhetada do cavaquinho. Enquanto ele fazia os acordes eu já tocava no ritmo com a mão direita do cavaquinho”, relembra.

A partir daí ele já ganhou seu primeiro cavaquinho do pai, que foi seu primeiro professor. “A inspiração vem disso de estar vendo meu pai praticar música tanto nos shows como dentro de casa, quando estava aprendendo uma música, compondo ou fazendo aquela reunião de amigos e família”, diz.

“Por volta dos 12 anos vi que o Alaan gostava de música, passei para ele uns acordes no cavaquinho. Não tinha tempo porque também era bancário do Banco do Brasil, trabalhei durante 38 anos lá e me aposentei em 2019. Comecei a ensiná-lo, depois não tive tempo, coloquei um professor para ir em casa e depois me separei da mãe dele”, conta Wanderley.

Bandolim esquecido

Com o fim do casamento, Wanderley esqueceu um bandolim em casa e Alaan encontrou e começou a tocar e conversar com o pai sobre o interesse na profissão. Inicialmente, o músico se preocupou.

“Falei para ele: ‘ser músico é complicado porque é uma coisa incerta, esse país onde não apoia a cultura, esses apoios são pontuais, não é o que deveria ter, não tem salário fixo, não tem plano de saúde, não tem nada, é complicado você ser músico”.

Quando ouviu do filho que era isso o que queria, o aconselhou a estudar. “Foi o que não fiz. Aí ele foi pra escola Villa-Lobos, ele aprendeu violão, depois ele vai para a faculdade de Música por conta dele. Agora ele faz arranjo, está produzindo, acabei de fazer um álbum agora chamado ‘Samba Espera’ com a direção e arranjos do Alaan. Ele está dirgindo a Roberta Sá, trabalha com o Martinho da Vila, já está me dando muito orgulho como músico, embora a preocupação como pai continua”, vibra.

Alaan dá sua versão do bandolim esquecido e explica que, ao encontrá-lo surgiu um interesse musicalmente de tocar outro instrumento. “O fato do bandolim ser um instrumento solista e eu começar a ter bastante contato com outros músicos de instrumentos de solo. Meu pai tinha deixado um em casa que estava quebrado, eu reformei depois e comecei a estudar”, conta.

“Ele sempre me apoiou muito com a música quando eu era muito novo e comecei a tocar com ele me ensinando, até o momento de eu achar que isso seria a minha profissão. Aí o apoio foi minando aos poucos e ele começou a me incentivar a fazer outras coisas que não fosse música. Porém como meu plano A era a música e o B também, depois de um tempo ele passou a me apoiar com a ideia de ser músico profissional e me dedicar a isso”, explica Alaan.

E um pouco dessa ideia do pai de que tivesse um plano B foi um incentivo para que ele estudasse e se formasse em Licenciatura em Música. “Talvez esse seja o meu plano B. É um curso obviamente musical, apesar de ter muita didática. Isso foi uma influência forte dele para eu dedicar e abrir um pouco o leque dentro da música “, completa.

Depois de ingressar no meio musical, tocar com o pai virou um ponto a se alcançar para Alaan. “Uma ideia de ‘caramba, posso vir a fazer isso no palco’. Toda uma ideia de estudar e se capacitar para que isso pudesse vir a acontecer, como fazemos hoje”, comemora. Pai e filho atualmente se apresentam e compõem juntos. “Temos algumas músicas gravadas pelo Casuarina, ele gravou um álbum e estar para lançar, cujo eu fui o produtor musical. A influência não para nunca”, conclui.

(Por Marcelo Ribeiro)

Fonte: O DIA

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