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Estudo mostra que recifes são sufocados por plástico

Pesquisa liderada pela USP com dados de 14 países mostra que, devido ao avanço da pesca para regiões distantes da costa, um rastro de lixo ameaça corais e outros organismos nas profundezas do mar
(Foto: Luiz Rocha © California Academy of Sciences/Divulgação ))

Com o litoral já degradado e superexplorado, a atividade pesqueira avança sobre águas profundas, deixando lixo plástico, como cordas e redes, no fundo dos oceanos. A consequência é que os recifes de corais estão morrendo sufocados. A conclusão é de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) e da Academia de Ciências da Califórnia, divulgado nesta quarta-feira (12) na revista Nature.

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Embora hoje muito se fale sobre a poluição marinha por microplásticos, os macroplásticos não deixaram de ser uma ameaça à vida oceânica. Os impactos de sacolas e apetrechos de pesca, como redes e cordas, têm efeitos negativos diretos e indiretos tanto para animais e outros organismos quanto para o ser humano, explica o biólogo Hudson Pinheiro, líder do estudo e pesquisador da USP e da Academia de Ciências da Califórnia. O cientista diz que esses objetos cobrem corais e esponjas, entre outros habitantes de recifes, os sufocando e matando.

“Quando se tem uma âncora, uma rede, uma linha de pesca ou uma corda de embarcação presa no recife, ao puxá-las, os corais são quebrados, e a complexidade estrutural do recife é perdida”, relata. “Também se perde uma grande proporção da biodiversidade associada, porque a abundância, a biomassa e a riqueza de peixes, que usam os recifes como abrigo e fonte de alimentação, são intrinsecamente relacionadas a essa complexidade”, acrescenta.

O plástico cria ainda um biofilme e essa microbiota causa doenças em diversas espécies. “Por último, vai se quebrando e se transformando nesses microplásticos e, com isso, o material entra na cadeia alimentar: vários peixes e invertebrados vão se alimentando do material, chegando até a gente”, explica Pinheiro. 

Registros visuais

Os pesquisadores usaram mais de 1,2 mil registros visuais de 84 ecossistemas de recifes em 14 países. Nas zonas mais profundas — entre 30m e 150m abaixo do nível do mar —, eles contaram com equipamentos de mergulho especializados.

No Brasil, além do litoral paulistano, a equipe da USP estudou os arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo, ambos em Pernambuco. Tanto nas águas brasileiras como nas das demais nações estudadas, a constatação foi a de que, quanto maior a profundidade, mais lixo plástico é encontrado. A principal responsável é a atividade pesqueira.

“Foi surpreendente descobrir que os detritos aumentaram com a profundidade, já que os recifes mais profundos, em geral, estão mais longe das fontes de poluição plástica”, comenta Luiz Rocha, autor sênior do estudo e codiretor da iniciativa Esperança para Corais da Academia de Ciências da Califórnia. “Quase sempre somos os primeiros humanos a colocar os olhos nesses recifes mais profundos e, no entanto, vemos lixo produzido pelo homem em cada mergulho. Isso realmente coloca em perspectiva o efeito que tivemos no planeta.”

Hudson Pinheiro se recorda de um episódio emblemático no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, quando a equipe explorava um cânion a 130m de profundidade. “De repente, um tubarão gigantesco passou por cima da gente e, quando ele virou, tinha uma linha de pesca agarrada na boca dele. Até os ambientes mais profundos e distantes estão sendo explorados e marcados. Barcos cada vez maiores e com motores melhores têm levado a isso. Esses apetrechos encontrados nos recifes são bem diferentes daqueles encontrados boiando nos oceanos ou na praia. Nos ambientes recifais, ele fica agarrado”, lamenta.

Do total de detritos plásticos encontrados na pesquisa, 88% tinham mais de 5cm. Em quase todos os locais estudados, havia lixo humano, incluindo alguns dos recifes mais remotos da Terra, como os próximos a ilhas desabitadas do Pacífico central. O artigo mostra que as menores densidades de poluições (580 itens por quilômetro quadrado), foram detectadas nas Ilhas Marshall (Oceania). Já o Arquipélago de Comores, na costa sudeste da África, liderou o ranking de poluidores, com 84,5 mil pedaços de polímero por quilômetro quadrado.

Em nota, o coautor Bart Shepherd, codiretor da Esperança para Corais, destacou que os corais mais profundos são raramente incluídos em esforços de conservação, apesar da biodiversidade única. “Esses recifes enfrentam muitas das mesmas pressões da sociedade humana que os recifes rasos e possuem uma fauna única e pouco estudada. Precisamos proteger os recifes mais profundos e garantir que eles sejam incluídos na conversa sobre conservação.”

Três perguntas para o biólogo Hudson Pinheiro, pesquisador da USP e da Academia de Ciências da Califórnia

O biólogo Hudson Pinheiro liderou o estudo(foto: CEBIMAR-USP/Reprodução )

Quais as principais constatações sobre a poluição plástica na costa brasileira?

Encontramos bastante lixo, tanto nos arquipélagos quanto no litoral. Nos locais onde as regiões mais profundas estão mais próximas da costa, temos encontrado mais lixo. Acreditamos que isso seja pelo movimento da pesca. Como os ambientes mais rasos já estão destruídos, modificados e superexplorados, os pescadores estão indo mais para o fundo, para capturar espécies de interesse comercial. Além disso, a gente constatou que a maior quantidade de lixo está próxima de áreas marinhas protegidas. Os pescadores sabem onde estão os peixes, e essas áreas de proteção atuam como berçários, áreas de produção de pescados. Barcos cada vez maiores e com motores melhores têm levado a isso. Os apetrechos encontrados nos recifes são bem diferentes daqueles encontrados boiando nos oceanos ou na praia. Nos ambientes recifais, eles ficam agarrados.

No Brasil, vários estudos apontam que boa parte da pesca artesanal é executada por pessoas semianalfabetas e com baixa consciência ambiental. Quais os principais desafios desse contexto?

Os pescadores dependem dos peixes para comer também, e não somente para comercializar. Isso é bem delicado. Precisamos de muito apoio de governos e da indústria para desenvolver materiais biodegradáveis ou mais orgânicos. Antigamente, as cordas de embarcação eram feitas com fibras naturais, agora é com plástico. As redes também. Então, há um potencial de desenvolvimento de materiais que não sejam à base de polímeros sintéticos. Com isso, podemos evitar uma poluição maior. Para tanto, é preciso de um incentivo para a indústria de produção, com subsídios para a substituição desse material. Essas comunidades não podem deixar de pescar, então isso é muito preocupante.

O senhor acredita que a conferência das Nações Unidas sobre Oceanos terá um impacto importante na queda e eliminação da poluição plástica nos mares?

Estamos num momento muito especial. O Programa Ambiental das Nações Unidas aprovou no ano passado a criação do tratado de combate à poluição de plástico, que será lançado no início do ano que vem. A ideia é combater a poluição em todo o ciclo de vida do plástico, desde a produção à comercialização, com incentivo à reciclagem e à substituição desses plásticos de uso único por materiais que sejam biodegradáveis e recicláveis. O mundo inteiro conhece as soluções, basta agora entrar com tecnologia, incentivos dos governos, para criar produtos que possam realmente substituir esses polímeros sintéticos por orgânicos. O mundo todo está entendendo o grau de seriedade; já estamos todos consumindo e respirando plástico. Estamos em um momento chave e temos muita esperança de que isso será mudado com legislação. (Paloma Oliveto)

(Por Paloma Oliveto)

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE

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