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Dietas com muita restrição calórica podem fazer mal para os rins

Dietas com muita restrição calórica podem fazer mal para os rins

Pesquisadores da USP verificaram que diminuição alimentar é benéfica a vários órgãos, mas nos rins causam maior liberação de radicais livres, o que acelera morte celular

Experimentos com ratos conduzidos na USP (Universidade de São Paulo) sugerem que os rins respondem de forma diferente de outros órgãos a dietas com restrição calórica e, a longo prazo, podem sofrer danos.

A linha de pesquisa é coordenada pela professora do Instituto de Química (IQ-USP) Alicia Kowaltowski, no âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

Resultados recentes foram publicados no American Journal of Physiology-Renal Physiology.

O grupo de Kowaltowski tem se dedicado a entender como alterações na dieta afetam o metabolismo e modulam o risco de doenças associadas à idade. Um dos principais focos é investigar o efeito da restrição calórica sobre as mitocôndrias – as organelas responsáveis por fornecer energia para o funcionamento das células.

Em trabalhos anteriores, feitos com camundongos, constatou-se que uma dieta menos calórica melhora o funcionamento do pâncreas e pode proteger o cérebro da morte de neurônios associada a doenças como AlzheimerParkinsonepilepsia acidente vascular cerebral (AVC), entre outras. Também foram observados benefícios para o fígado, a pele e até mesmo estímulo ao crescimento de pelos.

No estudo mais recente, os pesquisadores compararam as mitocôndrias renais de ratos submetidos por seis meses a uma dieta com redução de 40% de calorias (sem desnutrição) com as de um grupo-controle, em que os animais comiam à vontade e permaneciam sedentários, tornando-se obesos.

“Esses 40% de redução parecem muito para um ser humano normal, mas é uma redução em relação a animais mantidos em laboratório, que se alimentam sem limites e são realmente obesos”, diz Kowaltowski.

O experimento mostrou que mitocôndrias renais dos ratos submetidos a restrição calórica geram mais radicais livres – moléculas instáveis que, em excesso, danificam as estruturas celulares. Isso faz com que as organelas não consigam controlar adequadamente a entrada de cálcio em seu interior, comprometendo a síntese de ATP (trifosfato de adenosina, o “combustível” celular) e levando a célula à morte.

O estudo também demonstrou, pela primeira vez, que a restrição calórica regula a captação de cálcio nas mitocôndrias ao modular a proteína MICU2.

“O interessante é que mostramos o mecanismo pelo qual a produção de mais oxidantes faz com que as mitocôndrias sejam menos capazes de reter cálcio e se tornem mais suscetíveis à lesão oxidativa. Corrigindo esse defeito com um antioxidante, as mitocôndrias dos animais em restrição calórica voltam a ficar iguais às dos animais-controle”, conta o químico Julian David Cualcialpud Serna, primeiro autor do artigo e bolsista de doutorado da FAPESP.

Resultado inesperado

Os rins precisam de muita energia para filtrar o sangue e, devido à grande atividade metabólica, têm muitas mitocôndrias. No entanto, segundo Kowaltowski, há poucas pesquisas sobre os efeitos da restrição calórica nesse órgão.

“Nosso grupo tem olhado para a restrição calórica e o que ela faz para as mitocôndrias em termos de produção de radicais livres e também em termos de suas funções centrais, como a fosforilação oxidativa, que é gerar ATP, e o transporte de cálcio. Alguns anos atrás, vimos que a restrição calórica muda o transporte de cálcio no cérebro e no fígado. Agora resolvemos olhar para o rim e tivemos uma surpresa com os resultados”, comenta a professora.

O que surpreendeu os cientistas foi que, ao contrário do que acontece em outros tecidos, as mitocôndrias renais de animais magros geram mais radicais livres. Nelas, a captação mais rápida de cálcio foi acompanhada pelo aumento da produção de peróxido de hidrogênio, um potente oxidante. Segundo os autores, maior liberação de peróxido de hidrogênio aumenta a propensão à transição de permeabilidade induzida por cálcio, pois o processo está associado à oxidação de tiol proteínas da membrana. O efeito foi revertido com o uso do antioxidante ditiotreitol.

Conhecido principalmente por fazer parte de nossa estrutura óssea, o cálcio desempenha diversas funções e é fundamental para o funcionamento do nosso organismo, sendo encontrado na forma solúvel nos fluidos corporais, dentro e fora das células. Trata-se de um importante sinalizador em processos como contração muscular, diferenciação celular e inflamação, entre outros. Além disso, é um regulador central de funções celulares, controlando o metabolismo em vários aspectos, por exemplo, ao regular a produção de ATP, a quebra de glicogênio e a via glicolítica. As mitocôndrias captam e armazenam cálcio, mantendo sua concentração intracelular em níveis fisiológicos.

“A mitocôndria pode responder ao que está acontecendo no entorno dela de várias maneiras e uma delas é por sinais de cálcio. Captado em pequenas quantidades e por períodos de tempo curtos, o cálcio ativa as mitocôndrias. Mas, em excesso, leva à lesão mitocondrial. E, se a mitocôndria se lesa, ela para de funcionar, para de produzir energia para a célula”, explica Serna.

Nas mitocôndrias, a captação de cálcio para a matriz mitocondrial ocorre pelo canal uniporter mitocondrial (MCU, na sigla em inglês) e é impulsionada pelo potencial de membrana mitocondrial interna, que atrai espécies positivamente carregadas. O MCU é um complexo formado por várias proteínas. Uma delas é a MICU2, que se comporta como um regulador negativo. Ou seja, na ausência dessa proteína, o cálcio entra mais rapidamente nas mitocôndrias.

“O que a gente observou é que nos bichos em restrição calórica essa proteína está diminuída e há maior captação de cálcio. Isso é novidade, nunca se viu uma dieta mudar essa proteína em um contexto fisiológico”, diz o pesquisador.

Assim, as mitocôndrias renais de animais em restrição calórica captam cálcio mais rápido do que as de animais-controle, mas se lesam primeiro, pois a habilidade para estocar esses íons está reduzida. Isso quer dizer que animais em restrição calórica vivem mais, são mais saudáveis em vários sentidos, mas, numa situação de propensão a lesão renal por outros motivos, ter um peso um pouco maior talvez seja mais favorável.

Fonte: R7.COM

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