Pesquisadores notaram que 45 minutos de caminhada, três vezes na semana, aumentam os benefícios do remédio, usado frequentemente por pessoas com alteração na pressão arterial
Associar a prática de atividade física aeróbia ao uso do medicamento losartana aumenta os benefícios para pacientes hipertensos, principalmente no que diz respeito à regulação autonômica cardíaca, contribuindo com o funcionamento adequado do sistema cardiovascular. Essa foi a conclusão de uma pesquisa realizada com voluntários homens na FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).
Os cientistas mostraram que caminhadas de 45 minutos, três vezes por semana, melhoram a variabilidade da frequência cardíaca, um marcador cientificamente validado que afere o funcionamento do sistema nervoso autônomo, responsável pela regulação de processos fisiológicos corporais, como pressão arterial e frequência respiratória.
O medicamento é considerado a primeira linha de tratamento da hipertensão arterial (reduzindo o risco de eventos cardiovasculares), da insuficiência cardíaca e também é indicado para a proteção renal. Tem um mecanismo de ação que bloqueia o receptor AT1 da angiotensina 2 – um peptídeo que faz com que as paredes musculares das pequenas artérias (arteríolas) se contraiam, aumentando a pressão arterial.
De acordo com o estudo, publicado na revista científica Clinical and Experimental Hypertension, a losartana é capaz de reduzir a pressão arterial, trazendo-a para níveis normais, mas sem o exercício físico o controle autonômico cardíaco continua muito debilitado.
“A variabilidade da frequência cardíaca não se restabelece adequadamente só com a droga. Tanto que um dos pontos interessantes observados é que o paciente tratado com a losartana tem menos variabilidade da frequência cardíaca do que o indivíduo não tratado. Isso significa que a regulação do bombeamento sanguíneo pelo sistema cardiovascular não está em nível adequado. Reduzir a pressão é necessário e imprescindível, mas só o remédio não é suficiente. O exercício complementa o efeito”, afirma Hugo Celso Dutra de Souza, professor da FMRP-USP e autor correspondente do artigo.
A pesquisa recebeu apoio da FAPESP (Fundação de Amaparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e tem como primeira autora Tábata de Paula Facioli, que foi aluna do Laboratório de Fisioterapia e Fisiologia Cardiovascular, coordenado por Souza.
Casos
Análise global das tendências na prevalência, detecção, tratamento e controle da hipertensão, liderada pelo Imperial College de Londres e pela OMS (Organização Mundial da Saúde), mostrou que o número de adultos (entre 30 e 79 anos) com a doença aumentou de 650 milhões para 1,28 bilhão nos últimos 30 anos. Quase metade dessas pessoas não sabia que tinha essa condição. No Brasil, cerca de 30% dos adultos são hipertensos, segundo dados da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).
A hipertensão aumenta o risco de doenças cardíacas, cerebrais e renais. É uma das principais causas de morte e doenças em todo o mundo, podendo ser facilmente detectada por meio da aferição da pressão arterial. Em muitos casos é tratada de forma eficaz com medicamentos de baixo custo, entre eles losartana, maleato de enalapril, hidroclorotiazida, propranolol e amlodipina.
Souza lembra que, em 2015, outro estudo publicado por seu grupo, também com apoio da FAPESP, havia investigado a variabilidade de frequência cardíaca em modelos animais. “À época trabalhamos com ratos espontaneamente hipertensos (SHR, na sigla em inglês) para entender se o exercício físico aeróbio casava melhor com determinadas terapêuticas farmacológicas. Vimos que as drogas tinham resultados discrepantes entre elas. Como muitos pacientes usam esses medicamentos, resolvemos estudar em humanos para analisar o efeito”, diz o professor.
Método
Os pesquisadores contaram com uma amostra de 32 homens (entre 40 e 60 anos), divididos em dois grupos: pessoas com pressão normal (normotensos) e hipertensos tratados com losartana.
Eles foram submetidos a um treinamento físico aeróbio por 16 semanas. Parâmetros hemodinâmicos, variabilidade da frequência cardíaca, variabilidade da pressão arterial e sensibilidade barorreflexa espontânea (um mecanismo de controle da pressão arterial a curto prazo) foram medidos antes e após o exercício.
Antes do treinamento, ambos os grupos registraram valores semelhantes dos parâmetros hemodinâmicos. No entanto, os hipertensos apresentavam redução da sensibilidade barorreflexa espontânea e da variabilidade da frequência cardíaca, caracterizada pela diminuição da modulação simpática e da vagal.
Depois dos exercícios, os normotensos tiveram diminuição da frequência cardíaca em repouso, assim como os hipertensos. Porém, esse último grupo também apresentou redução da pressão arterial e da modulação simpática; aumento da modulação vagal e sensibilidade barorreflexa espontânea, mas com variabilidade da frequência cardíaca menor se comparada aos normotensos.
O sistema nervoso autônomo controla os processos internos do organismo por meio de dois ramos: simpático e parassimpático (também denominado vagal). Às vezes, os dois podem ter efeitos opostos no mesmo órgão. Por exemplo, a divisão simpática aumenta a frequência cardíaca e a parassimpática a reduz. No geral, juntas, elas garantem que o corpo responda de modo apropriado a diferentes situações, como estresse.
Como as mulheres têm modulação diferente dos homens sobre o sistema nervoso autônomo, principalmente em decorrência dos hormônios ovarianos, Souza explica que houve uma separação para desenvolver a pesquisa. “O estudo com mulheres está em fase final. Já observamos resultados interessantes, principalmente comparando o efeito da hipertensão em mulheres antes e após a menopausa”, diz o professor.
Os pesquisadores também estão trabalhando em um artigo que compara a losartana com o maleato de enalapril para apresentar as diferenças. O primeiro bloqueia o receptor de angiotensina e o enalapril atua na enzima conversora da angiotensina. “O exercício físico é importante, e tem sido visto como uma espécie de pílula mágica. Porém, precisamos entender o que ele realmente faz no organismo para até quem sabe no futuro tentar simular farmacologicamente seus efeitos”, conclui Souza.
Fonte: R7.COM