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Putin firma pacto com o Grupo Wagner e põe fim à rebelião

Putin firma pacto com o Grupo Wagner e põe fim à rebelião
( Foto: Reprodução )

Os mercenários do Grupo Wagner, comandado pelo oligarca russo Yevgeny Prigozhin, estavam a 200km de Moscou. Eles ocuparam o quartel-general do Exército russo em Rostov-On-Don e garantiram que tomaram instalações militares da cidade de 1,2 milhão de habitantes, de onde várias incursões à Ucrânia foram planejadas. Também avançaram sobre a região de Lipetsk, a 400km da capital. Em uma reviravolta tão surpreendente quanto o início da rebelião contra o Kremlin, na noite deste sábado (24), Prigozhin ordenou que seus homens retornassem aos acampamentos, a fim de evitarem um “banho de sangue”. “Não derramamos uma única gota de sangue dos nossos combatentes. Agora é a hora em que o sangue pode correr. Por isso, nossas colunas recuam, para retornarem aos acampamentos, de acordo com o nosso plano”, declarou o líder do Grupo Wagner. 

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O presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, tinha selado um acordo com os amotinados. Pelos termos, o Kremlin arquivará as acusações de incitação à rebelião armada contra Prighozin, que deverá partir da Rússia rumo a Belarus. Os integrantes do Grupo Wagner também não serão processados. Ao anunciar o pacto, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, explicou que a medida tinha o objetivo de “evitar derramamento de sangue, confrontos internos e lutas, com resultados imprevisíveis”. No início da madrugada deste domingo (25, pelo horário local), o Grupo Wagner começou a abandonar Rostov.

Até o pacto ser fechado, um clima de apreensão tomou conta das autoridades e dos cidadãos russos. Pontes e rodovias foram fechadas; vídeos circulando nas redes sociais mostravam trincheiras sendo cavadas nos acessos a Moscou. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, teria abandonado a capital e embarcado para São Petersburgo, sua terra natal, a 630km da capital. O Kremlin negou. O governo chegou a decretar feriado nesta segunda-feira (26).  

“Aventura criminosa”

Horas antes, Putin havia feito um discurso à nação. Com o semblante cerrado, ele enviou um recado “a todos aqueles que foram enganados ou coagidos a uma aventura criminosa, conduzidos para o caminho de um grave crime: uma rebelião armada”. “A Rússia está engajada em uma feroz batalha pelo seu futuro, repelindo a agressão de neonazistas e de seus mestres. (…) Estamos lutando pelas vidas e pela segurança de nosso povo, por nossa soberania e independência, pelo direito de sermos e de permanecermos Rússia, um Estado com mil anos de história”, declarou. “Ações que dividem nossa unidade são uma traição. (…) Isso é uma facada nas costas de nossa nação e de nosso povo. Protegeremos nosso povo e nossa pátria de quaisquer ameaças, inclusive de traição em casa. O que estamos vendo agora é traição, pura e simples. Ambições excessivas e interesses pessoais levaram à traição.” Com a distensão da crise, Putin agradeceu a Lukashenko pelo “trabalho realizado”. 

Diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim, o russo Alexander Gabuev admitiu ao Correio que a insurgência contra o Kremlin foi algo sem precedentes em duas décadas de poder de Putin. “Uma comparação próxima pode ser o impasse entre o presidente Boris Yeltsin e o Parlamento, em 1993. Ou o motim do general Lavr Kornilov, comandante supremo das Forças Armadas, contra o governo provisório, em fevereiro de 1917”, afirmou. Ele não descarta um endurecimento do regime de Putin, como resposta à ameaça representada pelo Grupo Wagner. Gabuev mostra cautela ao analisar o desdobramento da crise. “É preciso ver como o acordo anunciado por Lukashenko se materializará.”

Nina Khrushcheva, professora de Assuntos Internacionais na The New School (Nova York) e neta do ex-líder soviético Nikita Khrushchev (1894-1971), afirmou ao Correio que Prigozhin “não é mais um problema de Putin”. “Por enquanto, o poder do presidente está intacto. Isto é, até que alguém o desafie, vendo quão frágil e delicado é o equilíbrio do Kremlin.”  

Também em Rostov-on-Don, homem posa para foto com os mercenários
Também em Rostov-on-Don, homem posa para foto com os mercenários(foto: Roman Romokhov/AFP)

Por sua vez, Angelo Segrillo, professor de história da Universidade de São Paulo (USP), disse à reportagem que viu um pouco de “teatro” nas ações do Grupo Wagner. “Prigozhin é meio histriônico. Quando ele quer alguma coisa, ameaça e realiza ações espalhafatosas. Não creio que ele pensasse que pudesse tomar Moscou. O Grupo Wagner não tem condições de enfrentar o imenso Exército russo. Acho que ele fez isso mais para extrair concessões. Mas, errou no cálculo”, explicou. O estudioso lembrou que o líder dos mercenários não se opunha a Vladimir Putin. “Pode-se dizer que eram até amigos. Prigozhin foi dono de um restaurante frequentado pelo presidente. Depois, fez negócios com Putin. O problema de Prigozhin era com o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Choigu, e com o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov. 

Tensão crescente

Vicente Ferraro Jr. — doutor em Ciência Política pela USP, especialista em política da Rússia e conflitos em ex-repúblicas soviéticas — concorda com Segrillo e pontua que, nos últimos meses, houve uma crescente tensão entre o Grupo Wagner e a cúpula militar russa. “Ela foi motivada principalmente pela carência de munições no front. Prigozhin também reclamava que muitos recursos financeiros direcionados ao grupo acabavam desviados para o Ministério da Defesa pelo comando das Forças Armadas. Outro elemento de desgaste foram as elevadas baixas da Rússia na guerra, que teriam relação com os dois fatores citados. A gota d’água seria um ataque do próprio Exército de Moscou ao Grupo Wagner, algo negado pelo Kremlin”, disse ao Correio.

This video grab taken from handout footage posted on June 24, 2023 on the Telegram account of the press service of Concord -- a company linked to the chief of Russian mercenary group Wagner, Yevgeny Prigozhin -- shows Yevgeny Prigozhin speaking inside the headquarters of the Russian southern military district in the city of Rostov-on-Don. The head of Wagner mercenary group Yevgeny Prigozhin announced on June 24, 2023 that he was inside the army headquarters in Rostov-on-Don in southern Russia, and that his fighters controlled the city's military sites. (Photo by Handout / TELEGRAM/ @concordgroup_official / AFP) / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO / Telegram channel of Concord group" - NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS
Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner: “Não derramamos uma única gota de sangue dos nossos combatentes. Agora é a hora em que o sangue pode correr. Por isso, nossas colunas recuam”(foto: Telegram/AFP)

Ainda segundo Ferraro Jr., a mobilização do Grupo Wagner, que começou na sexta-feira, após suposto ataque russo a seu acampamento, na Ucrânia, pode ser percebida como uma tentativa de golpe militar. Ele destacou que golpes militares contam com a “estratégia do primeiro passo”. “Uma ala militar inicia o motim e propicia a adesão de outras alas. Isso ocorreu. Havia uma apreensão sobre qual seria o próximo passo e se mais grupos militares apoiariam os homens de Prigozhin.” Ele observou que a quase falta de resistência no avanço do Grupo Wagner rumo a Moscou mostra que Prigozhin gozava do respaldo de parte do Exército russo. E considerou sintomática a reação da população de Rostov-On-Don, ao apoiar os mercenários. 

Ferraro entende que a legitimidade de Putin foi desgastada. “O grupo de Prigozhin teve um avanço muito rápido, quase não encontrou obstáculos e chegou a se aproximar de Moscou. A reação local militar praticamente inexistiu, e vimos um certo desespero das elites e dos propagandistas do Kremlin”, citou. “Esta é a maior crise política da Rússia em 30 anos, desde outubro de 1993, quando o Parlamento, em Moscou, foi bombardeado. A grande incógnita é se Putin respeitará os acordos. Ele não tem uma tradição de diálogo com grupos rebeldes.”

(Por Rodrigo Craveiro)

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE

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