A doença renal crônica (DRC) atinge 10% da população mundial. São 850 milhões de pessoas que vivem com lesões renais e perda progressiva e irreversível da capacidade dos rins de filtrar o sangue. Com prevalência crescente nas últimas décadas, a DRC registrou aumento de 42% em sua taxa de mortalidade em 17 anos e tornou-se um dos motivos predominantes de óbitos em todo o mundo. O Institute for Health Metrics and Evaluation chama a doença de “assassino global escondido em plena vista”, o qual saltou, na lista das maiores causas de mortes mundiais, da 17ª posição, em 1990, para o 12º lugar, em 2017. No Brasil, um estudo de 2015 estimava a prevalência da DRC em 8,9% da população do país.
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O aumento da prevalência da DRC está associado ao envelhecimento populacional e a condições crônicas não transmissíveis (CCNTs), das quais se destacam o diabetes mellitus e a hipertensão arterial. Também são fatores de risco a obesidade, hipercolesterolemia e tabagismo. A DRC evolui de maneira assintomática até que a insuficiência renal se torne severa e, no estágio posterior, crônica, quando as únicas opções terapêuticas são hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal.
Patrícia Abreu, preceptora na Residência Médica em Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e tesoureira da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), alerta para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. “Quanto mais cedo a doença for detectada, menor é o risco de morte, pois a velocidade de sua progressão é reduzida com tratamento farmacológico e mudanças de comportamentos”.
Desafios para a detecção precoce: gestão, educação e engajamento
Os exames para o diagnóstico da DRC – dosagem de creatinina no sangue e de perda de albumina na urina (albuminúria) – são simples, baratos e estão previstos tanto nas diretrizes para tratamento da hipertensão e diabetes quanto na linha de cuidado da pessoa com doença renal crônica. “Sabemos que, muitas vezes, os protocolos de solicitação rotineira desses exames não são cumpridos. Para mudar esse quadro e garantir que o Brasil atinja o objetivo de desenvolvimento sustentável 3.4 no que diz respeito à doença renal crônica, é necessário investir na boa governança do Sistema Único de Saúde, com reorganização dos processos de trabalho para que os modelos estabelecidos saiam do papel”, avalia Alexandra Dias, docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (EEUFMG).
A especialista frisa a relevância da educação permanente multiprofissional na atenção primária para o diagnóstico precoce da DRC. “Devemos valorizar o agente comunitário de saúde que, se estiver informado, pode conscientizar as pessoas com diabetes e hipertensão sobre a importância dos exames de sangue e urina, para que cobrem sua realização durante o atendimento nas unidades de saúde”, recomenda. “Temos que implantar ações que fixem nas pessoas o conhecimento de que, para a saúde do rim, é primordial fazer dosagem de creatinina, da mesma forma que elas já têm consolidado o entendimento de que, para detecção e cuidados como diabetes, é verificada a glicemia, e para a dislipidemia, são investigados os níveis de colesterol e triglicerídeos”, completa.
O papel da equipe de saúde da família na promoção de autocuidados
A interação entre a equipe de saúde da família e o usuário do SUS é crucial para a prevenção, diagnóstico e tratamento da DRC. Seus profissionais são responsáveis pela transmissão de conhecimentos, suporte às mudanças de estilo de vida e auxílio para a adesão farmacológica. “Muitas vezes, para evitar uma bronca, a pessoa com doença crônica diz ao médico que está tomando os medicamentos receitados, embora não o faça, ou o faça de maneira inadequada/equivocada. É na conversa com a equipe multiprofissional da atenção primária que essa pessoa realmente se abre e expõe dúvidas e dificuldades. O nutricionista, psicólogo, enfermeiro, educador físico, agente comunitário de saúde, entre outros, são os profissionais que vão acolher e fazer o usuário se sentir cuidado, o que o incentiva a se cuidar também”, constata Patrícia de Luca, diretora executiva da Associação Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar (AHF) e cofundadora do Fórum Intersetorial para Combate às Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil (FórumDCNTs).
Entre os especialistas, é unânime a necessidade de se identificar no país ações efetivas de prevenção, diagnóstico e tratamento que possam ser replicadas. Frida Plavnik, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), compartilha os resultados do programa “Cuidando de Todos”, instituído em 2018 na Atenção Primária da Cidade de São Paulo.
De acordo com Plavnik, a iniciativa expandiu-se durante os anos e, em 2022, estava presente em 232 UBSs e havia impactado mais de 3,5 milhões de pessoas. “Criamos um protocolo baseado na Diretriz Brasileira de Hipertensão com o objetivo de otimizar a avaliação de pessoas com essa condição, padronizando a medição da pressão arterial. Até o momento, fizemos cerca de 50 capacitações para mais de 2700 profissionais de saúde e gestores. Registramos aumento de 17% na proporção de pessoas com hipertensão dentro do alvo, e de 20% para 23% de diagnosticadas/tratadas. O número de usuários rastreados subiu de 45% para 81%”, relata. “Esse tipo de ação, que melhora em nível populacional os cuidados dos principais fatores de risco para DRC, como a pressão arterial e a glicemia elevadas, é fundamental para a manutenção da saúde renal”, atesta Mark Barone, coordenador geral do FórumDCNTs.
Mais informações: https://www.forumdcnts.org