Milhares de seguidores, milhões de visualizações e sucesso na internet: as influenciadoras estão marcando a era das redes sociais. Entretanto, esqueça maquiagens, dietas, exercícios, combinação de looks e todos esses conteúdos tradicionais, pois a sensação do momento são as cunhadas.
O apelido, usado para falar das esposas e namoradas de presos, se popularizou na internet com as postagens no TikTok que mostram o dia a dia das mulheres que aguardam os maridos fora dos muros do presídio.
O conteúdo das cunhadas é diversificado, mostra a preparação da sacola ou a caixa com alimentos e itens de higiene, contam a história do casal e registra um pouco da rotina de cuidar de uma família, enquanto espera ansiosamente pelo dia da visita.
Uma destas influenciadoras é Caroline Lyssa. Com 91 mil seguidores, 1,8 milhão de curtidas e milhões de visualizações no TikTok, ela conta que não esperava o sucesso na rede social.
“Não sabia mexer no TikTok, muito menos saber fazer vídeo. Realmente não esperava”, explica Caroline em entrevista ao R7. “As pessoas que são próximas super me apoiam, não ouço críticas”.
A jovem é uma das centenas de cunhadas que se espalham pelo TikTok. O mundo das companheiras de presos tem seu linguajar próprio, como o termo jumbo (em referência aos pacotes que preparam para os maridos), as hashtags, como #JuizSoltaOMeuPreso, e até sequência de emojis do pombo, cadeado aberto e coração branco.
“Fui ganhando bastante seguidor no TikTok, algumas pessoas me seguiam também no Instagram e lá pediam muito para postar stories do meu dia a dia, os preparativos para a visita e falar um pouco de como era”, conta Caroline sobre a origem da conta na rede social.
A cientista social e mestranda da UFC (Universidade Federal do Ceará) Fernanda Lobato, que pesquisa sobre a dinâmica de relacionamentos como o de Caroline, conta que as mulheres de presos costumam sofrer com a invisibilidade da sociedade.
“As mulheres que estão produzindo os vídeos do TikTok sobre essas rotinas conseguem dar um pontapé para contarem as suas próprias histórias, pois são elas mesmas contando como vivenciam seus relacionamentos no controle da prisão, compartilhando suas vitórias e angústias.”
Lobato afirma que a separação física é apenas um dos problemas que as cunhadas enfrentam. O preconceito da sociedade e incompreensão da vida destas mulheres também são uma barreira de dor na vida fora dos muros do presídio.
“Encontrei na minha pesquisa narrativas de mulheres com muita dor, seja pela separação física do seu companheiro, como pelos constrangimentos que o cárcere traz para suas vidas. Elas contam como são vistas como criminosas e o peso desse estigma”, destaca a cientista política.
“Acham que só por ser mulher de um presidiário, levo uma vida errada” (CAROLINE LYSSA)
O peso da saudade
Caroline publica frequentemente vídeos com o marido
Em uma publicação no TikTok, Caroline mostra diversas mensagens enviadas ao Instagram do marido, que por estar preso, não pode responder. Sofrimento, saudade e tristeza foram as palavras usadas pela influencer para falar sobre a distância.
Segundo ela, a conta e a nova vida na internet são apoiadas pelo marido, que acredita que o trabalho digital da esposa possa ser uma companhia quando a vida a dois não pode ser compartilhada todos os dias, lado a lado.
“Ele super apoia, acha bem legal tudo isso pois me ajuda muito a ser mais forte”, conta Caroline. “É uma coisa que me distrai, ele acha muito bom eu fazer, para o meu bem.”
Pelo menos tira um pouco da cabeça o sofrimento, saudade e tristeza
Perfis como o de Caroline mostram o que a TV, jornal e rádio nunca conseguiram exibir. Segundo o pesquisador da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) André Holanda, a internet é o ambiente perfeito para que este tipo de conteúdo surja.
“É caro produzir conteúdo na mídia tradicional e só vale a pena fazer a produção de uma mensagem televisiva, por exemplo, quando você sabe que tem público lá fora para receber essa mensagem”, ressalta Holanda.
A diferença da dinâmica dos meios de comunicação tradicionais e da internet, como a capacidade de acessar conteúdos quando quiser e possibilidade de compartilhamento, favorecem fenômenos como as cunhadas.
“Na internet fica tudo arquivado e o conteúdo pode acabar encontrando o seu público mais tarde. Talvez o aspecto principal seja a possibilidade de propagação que esse público traz para o conteúdo”, afirma o pesquisador da UFRRJ.
Caroline conta que a escolha pelo TikTok foi pela possibilidade de gravar os vídeos e conseguir armazená-los em um feed onde quem quisesse pudesse acessar quando bem entendesse. Este recurso favorece os fãs, mas também é combustível para os haters (internautas que comentam publicações com o intuito de humilhar alguém).
“Eu prefiro ignorar. Quando é um comentário que me dói muito, vou lá e apago. Se é uma mensagem [ruim], não aceito, excluo como se nunca alguém tivesse mandado. Tento não me abalar com essas coisas, mas chega a doer às vezes, pois a pessoa comenta como se você fosse a pior pessoa”, desabafa Caroline.
Público diversificado
Postagens de Caroline ultrapassam a marca dos 3 milhões de visualização (MONTAGEM/R7)
Engana-se quem pensa que as cunhadas têm um público restrito a quem vive uma realidade parecida. Elas aparecem no algoritmo do TikTok de todos os sexos, origens e profissões. As publicações chamam a atenção de quem passa pelo feed da rede social, em uma forma quase hipnotizante.
“[Os vídeos] alcançam muitas cunhadas, mas vários outros grupos, tem até advogadas”, brinca Caroline que tratou com alto astral o tema durante toda a entrevista. “Isso é bem legal. Por mais que alcance muita gente que julga, tem muita gente que está ali para dar um apoio, te desejando forças, que tudo vai ficar bem”.
Apesar do sucesso das cunhadas nas redes, Lobato ressalta as dificuldades da vida de quem muitas vezes precisa se deslocar centenas de quilômetros para visitar o parceiro que está preso.
“São rotinas de saudade e luta, uma vez que para realizar as visitas aos finais de semana, são investidos muitos esforços para chegar às unidades prisionais. É difícil pois normalmente elas ficam localizadas distante da área urbana e com acesso precário”, destaca a cientista política.
O público que consome o conteúdo produzido pelas cunhadas, por outro lado, é determinante para o sucesso das novas estrelas da internet, segundo Holanda.
“O público tem um papel ativo em propagar essa comunicação linkando, recomendando, passando adiante, espalhando o conteúdo. É esse processo que cria a viralização, é uma das características fundamentais.”
Caroline, por sua vez, não pensa em se afastar do mundo da internet. A cunhada quer seguir a carreira de influenciadora e continuar em destaque nas redes sociais.
“Pretendo sim [continuar como influencer], pois nesse tempo criei laços com as minhas seguidoras”, conclui Caroline.
Fonte: R7.COM