Agência Brasil teve acesso com exclusividade à pesquisa
Semana retrasada, começou às 5h30. Começam os tiros, aí você já fica logo tensa”, conta Ana Lúcia Alves dos Santos, de 61 anos. Ela foi uma das 30 mulheres entrevistadas em uma pesquisa que buscou compreender os impactos da violência armada na vida de mulheres do Complexo da Maré. Nos relatos colhidos, foram observados efeitos mentais e físicos e reveladas estratégias de cuidado e proteção que as mulheres adotam.
Ana Lúcia explica à Agência Brasil como a operação policial altera completamente sua rotina e seu estado de espírito. “Eu faço aula lá na Vila Olímpica às 7h. Acordo cedo e me preparo. Aí começo a escutar os tiros, pronto. Acabou o dia. Você fica tensa, preocupada. Minha filha tinha que sair para trabalhar. Meu marido também. Eu peço cuidado. Peço para me ligar quando chegar na Avenida Brasil”.
Rio de Janeiro, 12/04/2023 – A moradora da favela da Maré Ana Lúcia Alves fala sobre os impactos da violência armada em sua vida – Fernando Frazão/Agência Brasil
O estudo qualitativo lançou um olhar científico sobre relatos como esse. Realizado como parte do projeto De Olho na Maré, mantido pela organização não governamental Redes da Maré, ele envolveu pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de duas instituições britânicas, as universidades de Warwick e de Cardiff. Além das entrevistas, foram utilizadas outras ferramentas metodológicas, como rodas de conversas e oficinas semanais de dança e yoga dance.
Considerando todas as atividades desenvolvidas entre setembro de 2021 e novembro do ano passado, mais de 50 participantes de diferentes idades foram envolvidas. A Agência Brasil teve acesso com exclusividade ao estudo, que será lançado e apresentado hoje (14), às 15h,na Casa das Mulheres da Maré, em evento aberto os moradores e demais interessados.
Leia também:
- Ageman terá apoio da nova Guarda Municipal armada durante fiscalização dos serviços públicos delegados
- Ministro da Educação vê Enem com ‘preocupação’ e defende suspensão do novo ensino médio
- Associação de Deficientes Físicos recebe reforma do Governo do Amazonas
- PF prende três suspeitos de ocultar corpos de Dom e Bruno
- Com recorde de atendimento do TSE, Fachin vê país unido ‘como há muito não se via’ pela democracia
O Complexo da Maré compreende 16 favelas onde vivem cerca de 140 mil pessoas. Somente em 2022, segundo monitoramento da Redes da Maré, foram registradas 27 operações policiais nesse território: uma a cada 13 dias. Homens formam a maioria absoluta das mortos quando há confrontos. De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado no ano passado pela organização não governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a maioria das vítimas de mortes decorrentes de intervenção policial no país é do sexo masculino (99,2%), de negros (84,1%) e com menos de 29 anos (74%).
Os pesquisadores, no entanto, lembram que a presença e circulação de armas em um território provocam, além das mortes, diversas violações individuais e coletivas: invasões de domicílios, agressões físicas e verbais, restrições de mobilidade e circulação e fechamento de escolas e unidades de saúde. Essa realidade é documentada pelo projeto De Olho na Maré. Entre 2017 e 2022, foram contabilizadas 169 operações policiais e 122 confrontos entre os grupos armados, que resultaram em 195 mortos, 186 feridos por arma de fogo, 572 violações de direitos individuais, 93 dias sem aulas e 122 dias com serviços de saúde suspensos.
Fonte: AGÊNCIA BRASIL