A volta de circulação de pessoas com fez com que os casos de dengue aumentassem exponencialmente no Brasil, principalmente na comparação com 2021. De acordo com dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) do Ministério da Saúde, até a segunda semana de maio, foram registrados 855.910 casos prováveis da doença em 2022. O que representa 165,7% a mais do que no mesmo período do ano passado.
“Com as pessoas circulando menos, o vírus também sofreu uma restrição de movimento. Isso não significa que a dengue não aconteceu. A Covid-19 é que foi tão devastadora que acabou ‘abafando’ a dengue no país”, alerta Leonardo Bastos, coordenador do InfoDengue e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
O infectologista Antonio Carlos Bandeira, membro e consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da UNIFTC – Salvador, explica como o isolamento diminui a transmissão.
“Devemos encerrar o ano com o dobro ou mais de casos do que no ano passado. O mosquito Aedes aegypti segue existindo, mas com a volta da mobilidade, as pessoas se infectam mais. Um indivíduo contaminado passa cinco, seis dias que qualquer mosquito que pique ele se contamina também. Então, essa pessoa na verdade está levando o vírus de uma pessoa para um mosquito – que não está contaminado – se contamina e passa a contaminar outras pessoas.”
O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, com dados consolidados até 21 de maio, indica que os números atuais são comparáveis à fase pré-pandêmica, quando também eram considerados em patamar elevado.
Em 2019, houve 21.016 casos graves da doença. Em 2022, já são 9.318 infectados com gravidade (44,3% do total daquele ano).
Mudança geográfica dos surtos
O que preocupa os especialistas é a mudança da localização dos surtos. A taxa de incidência da doença por região é a seguinte:
• Centro-Oeste: 1.283,8 casos/100 mil habitantes
• Sul: 732,6 casos/100 mil habitantes
• Sudeste: 318,3 casos/100 mil habitantes
• Norte, 184,3 casos/100 mil habitantes
• Nordeste, 170,9 casos/100 mil habitantes
Bastos acrescenta que “dengue é uma doença endêmica no país [ocorre de maneira permanente e com frequência] e tem quatro sorotipos diferentes”, razão pela qual, em um país com dimensões continentais como o Brasil, “surtos e epidemias vão acontecer todos os anos”.
“No entanto, quando esses surtos ou epidemias acontecem em grandes regiões mais populosas vemos um número mais elevado de casos. Esse ano, as regiões Centro-Oeste e Sul são as que estão sofrendo mais com a dengue. Em particular, a região Sul preocupa mais pois a maioria de sua população é suscetível para todos os sorotipos da dengue, o que aumenta as chances de acontecer grandes epidemias.”
Os quatro sorotipos mencionados pelo especialista significam, na prática, que para estar imunizada naturalmente, uma pessoa precisa contrair dengue quatro vezes.
“Temos os quatro sorotipos diferentes girando no Brasil, isso faz com que a gente amplie a quantidade de gente que não era infectada pelos outros sorotipos que passa a ser infectada de novo”, lamenta Antônio Carlos Bandeira.
Como acabar com a dengue?
A enfermidade é um problema de saúde pública que enquanto não tiver uma vacina eficaz contra os quatros sorotipos as medidas de conscientização da população para acabar com os criadouros do mosquito são importantes. Todavia, não vai resolver a situação.
“Para reduzir os casos temos que reduzir a população dos mosquitos. O uso de inseticidas não se mostrou eficiente pois pode acabar gerando uma geração de mosquitos resistentes a inseticidas”, diz o pesquisador da Fiocruz.
“Não é possível precisarmos que as pessoas cuidem das próprias casas para termos uma solução de saúde pública – a gente faz isso. Eu acredito que no futuro a gente vai dar risada dessa ação: ‘pedimos para a população nos ajudar porque não temos nada para dar a ela’.” (Antonio Carlos Bandeira, infectologista)
No Brasil há uma vacina aprovada com os quatro sorotipos e que tem aplicação no setor privado. Porém, a baixa eficácia do imunizante atrapalhou que o uso dele fosse mais disseminado.
“Toda vacina que é meio eficaz pode induzir imunidades parciais. No caso, ela fez com que quem nunca teve dengue e se vacinou tivesse uma imunidade parcial. Quando teve realmente dengue acabou fazendo uma dengue mais grave. A vacina funcionou como se fosse um primeiro caso da doença”, explica Bandeira ao ressaltar que tradicionalmente o a segunda infecção é mais severa.
Atualmente, o imunizante só é recomendado para quem já teve a doença pelo menos uma vez.
O Instituto Butantan está na fase três de testes de uma vacina com os quatro sorotipos. No estágio atual está sendo verificada a eficácia.
“Acreditamos que em 2023, 2024 a gente já esteja enviando dados para a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Esse movimento é muito importante para termos vacinas boas e eficazes para que a gente possa sair fora do dilema em que estamos hoje”, pontua Bandeira, que é também coordenador dos ensaios desse imunizante na Bahia. [
Leonardo Bastos, da Fiocruz, pontua ser necessário “mais investimento em pesquisa para que se desenvolva métodos eficientes para reduzir casos, hospitalizações e óbitos por dengue”.
Fonte: R7.COM